Itálianos com a Graça de Deus

"O livro é de fundamental importância para o desenvolvimento das sociedades e para o crescimento intelectual dos seres humanos.

É ele que permite ao ser humano registrar fatos importantes da sua história e repassar tais fatos às sociedades posteriores, atuando como vetor do conhecimento"

Apresentação

O livro Italianos Com a Graça de Deus escrito pelo meu amigo e colega de trabalho, professor Hélio Clemente Fernandes, filósofo e historiador, nos conduz à nossa própria história, a história de nossos antepassados, a quem ele se refere como antenati.

Ler esse livro foi viajar pela história, percorrendo a imigração italiana, as guerras e as lutas diárias pela sobrevivência, as quais nos trazem eternas recordações, nas quais vi também desenhada a minha própria infância e as intermináveis histórias contadas e (re)contadas pelos meus avós. Em algumas partes desse livro já não sabia se a história era da família do professor Hélio ou da minha própria família. Tamanha foi a minha identificação, o meu maravilhamento por esse trabalho denso e artesanal realizado pelo meu amigo-irmão. Posso dizer que viajei por essa história, que embarquei nos navios que trouxeram a sua família (a minha família?) permita-me a ousadia….. Foi nesse percurso que, um dia, meus antepassados também chegaram a essa terra, possivelmente com os mesmos sonhos e com o desejo da riqueza e da fartura prometida.

Conheci a dona Maria Thereza Zini, desde sempre, em minha infância e conheci-a como essa batalhadora, defensora da família, religiosa fervorosa, como retrata meu amigo Hélio. Dona Maria nessa comunidade é uma personalidade histórica, uma referência, um exemplo! Sua imagem meiga e humilde retrata a bondade, a generosidade, o amor ao próximo, a boa samaritana que não se nega ajudar quem a ela recorrer.

A luta retratada nessa magnífica obra é verdadeira: de um povo que sai da sua terra natal e se aventura em busca da sobrevivência: o sonho da fartura, da comida, num mundo onde a fome era a grande vilà. Ter a mesa farta, a colheita abundante era um sonho para quem não encontrava sobrevivência em sua própria terra.

Viajar nessas páginas da história foi um deleite. É aprazível aproximar-se da tradição cultural que nos antecedeu: o namoro, a esperança em cada movimento migratório, a expectativa de um novo futuro, a descoberta, a culinária, o vínculo familiar tão próximo, tão único, onde a dor de um era a dor de todos... em momentos que nossas famílias estão tão dispersas e os pais tão distante dos tilhos e de seusanseios. Os casamentos eternos, até que a morte os separe, um trago religioso que mostra a cultura da época, o vinculo familiar eterno, o amor para sempre: na saúde e na doença, na alegria e na tristeza... exatamente assim.

Essa ruralidade constituinte da história de D. Maria e de seus antepassados traz um encantamento diferente. As festas da colheita, a partilha do alimento, da carne, da produção. Aqui me lembra o conto de Clarice Lispector "A mesa fora coberta por uma solene abundância. Sobre a toalha branca amontoavam-se espigas de trigo. E maças vermelhas, enormes cenouras amarelas, redondos tomates de pele quase estalando, chuchus de um verde líquido, abacaxis malignos na sua selvageria, laranjas alaranjadas e calmas".

Por fim: o prazer da partilha!

As conversas à noite, as novenas e rezas em todas as situações. Se chovia demais, se chovia de menos, se a doença vinha, se a colheita era pouca, a solução era sempre rezar em comunidade: a crença em um Deus onipotente e salvador. O nascimento dos filhos e a sua independência antes da infância propriamente dita... o tempo eterno, o tempo para tudo....

A sociedade líquida, como o autor nos lembra, que dissolve nossas relações, nossos projetos de vida e nossa própria cultura. Por isso mesmo, a grandeza dessa obra que torna imortal a história dessa família e de todas aquelas que se constituíram nesse mesmo processo histórico. Dona Maria e seus antepassados se eternizam não apenas nessas paginas, como na memória de todos aqueles que tiverem o prazer de passear por essas páginas, rememorando essa linda história.

Escrever essas linhas foi de uma responsabilidade extrema por traduzir em poucas palavras um encantamento irreproduzível. Parabéns ao professor Hélio e especialmente a toda a sua família e a sua geração por receber em mãos a sua própria história, cautelosamente, silenciosamente e arduamente lapidada por esse grande filósoto e historiador que rememorou todo o trajeto: nascimento, casamento, óbito de cada um dos integrantes dessa família.

Um trabalho como esse não tem preço! Que possamos viajar nessas linhas com a mesma paixão e entusiasmo que moveram o seu autor!

Dra. Margarete Nath Braga